Sobre o crime de abandono material, inserido no art. 244 do Código Penal, há três figuras abrangidas pelo caput da referida norma, a saber: (a) deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, de filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho ou de ascendente inválido ou maior de 60 anos, não lhes proporcionando os recursos necessários; (b) faltar, sem justa causa, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; e (c) deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. O parágrafo único do mencionado dispositivo legal estabelece que incide nas mesmas penas "quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada".
Trata-se de tipo misto cumulativo, na modalidade omissiva pura, de natureza permanente - ou, nos dizeres da doutrina, de norma preceptiva que "ordena uma ação determinada e se solicita, assim, um fazer positivo, [de modo que] a infração consiste na omissão desse fazer".
No caso, a análise ficará restrita ao abandono material relacionado ao não pagamento de pensão alimentícia fixada judicialmente.
A Constituição Federal prescreve ser dever da família assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à alimentação, à saúde e à dignidade, além de delegar à instituição familiar, em conjunto com a sociedade e com o Estado, a obrigatoriedade de assistir, criar e educar os filhos menores. O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em sentido similar, exigem dos genitores o dever de sustento da prole. A seu turno, a lei penal, visando a compelir o disposto na legislação civil, pune aquele que deixa, sem justificativa idônea, de prover a subsistência do filho menor de 18 anos, faltando com o adimplemento de pensão alimentícia que está relacionada, em última análise, com a integridade do organismo familiar.
No entanto, considerando que o Direito Penal opera como ultima ratio, só é punível a frustração dolosa do pagamento da pensão alimentícia, isto é, exige-se a vontade livre e consciente de não adimplir a obrigação. Assim, nem todo ilícito civil que envolve o dever de assistência material aos filhos configurará o ilícito penal previsto no art. 244 do CP.
O crime de abandono material exige o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de não adimplir a obrigação familiar. Sobre o elemento subjetivo do tipo, convém recorrer à exposição de motivos do Código Penal: "Segundo o projeto, só é punível o abandono intencional ou doloso, embora não se indague do motivo determinante: se por egoísmo, cupidez, avareza, ódio, etc.".
Nessa perspectiva, "O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, para a imputação do crime de abandono material, mostra-se indispensável a demonstração, com base em elementos concretos, de que a conduta foi praticada sem justificativa para tanto, ou seja, deve ser demonstrado o dolo do agente de deixar de prover a subsistência da vítima" (RHC 27.002/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 18/9/2013).
Cumpre registrar, também, que o delito em tela apenas se configura quando o agente deixa de efetuar o pagamento sem justa causa. Trata-se de elemento normativo do tipo que traduz uma causa de justificação capaz de tornar a conduta lícita.
Nesse contexto, aquele que não cumpre decisão judicial que fixou os alimentos por absoluta hipossuficiência econômica, verbi gratia, não pratica o crime estabelecido no art. 244 do Código Penal, porque presente a justa causa. Da mesma forma, o mero inadimplemento da pensão não é suficiente, por si só, para, automaticamente, justificar o oferecimento de denúncia ou a condenação pelo delito em comento. Do contrário, estar-se-ia diante de odiosa responsabilidade penal objetiva.
É dizer, o inadimplemento da pensão alimentícia apenas configura crime quando o agente possui recursos para prover o pagamento e deixa de fazê-lo propositadamente. É insuficiente, portanto, a mera afirmativa genérica de que o inadimplemento dos alimentos ocorreu sem justa causa. Tal assertiva deve estar comprovada com elementos concretos dos autos, pois, ao revés, toda e qualquer insolvência seria crime.
A contrário sensu, se as provas demonstrarem que a omissão foi deliberadamente dirigida por alguém que podia adimplir a obrigação - a partir, por exemplo, da comprovação de que o acusado possui emprego fixo, é proprietário de veículo automotor e/ou ostenta uma vida financeira confortável -, está configurada a ausência de justa causa e, consequentemente, o delito de abandono material.
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